A preocupação com a proteção ao meio ambiente no Brasil é um fenômeno relativamente recente, haja vista que fora intensificado apenas a partir da segunda metade do século XX, frente à expansão industrial. Entretanto, a real consciência ambiental, por parte da sociedade, ocorreu apenas com a Conferência de Estocolmo, no ano de 1972.
A aludida Conferência deve ser encarada como um dos maiores e principais marcos no processo de conscientização quanto a necessidade de proteção ao meio ambiente, haja vista que fora um catalisador para a discussão global sobre os problemas ambientais e a necessidade de ações coordenadas de toda a população para enfrentá-los de forma efetiva.
Não somente no Brasil, mas no mundo como um todo, a Conferência de Estocolmo serviu como referência para sensibilizar a sociedade para os problemas ambientais, bem como a extrema necessidade de proteção do meio ambiente.
Assim esclarece a melhor doutrina:
“A Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, é amplamente considerada o marco inicial da proteção ambiental em escala global. Foi o primeiro evento internacional a reconhecer a necessidade de um esforço coordenado para enfrentar os desafios ambientais, estabelecendo princípios fundamentais que influenciaram a criação de legislações nacionais e a formação de uma consciência ecológica. A partir dela, o meio ambiente passou a ser percebido como um direito essencial, estreitamente ligado à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável.” (Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro (2020).
Gize-se ainda que, a partir deste marco, levantou-se também a importância dos debates sobre políticas ambientais, visto que se estimulou o debate sobre a necessidade de políticas públicas voltadas para a proteção ambiental no Brasil.
Noutro giro, ressalta-se que, apenas em 1998, o Direito Penal brasileiro voltou seus olhos para a proteção ao meio ambiente, com a introdução da Lei nº 9.605, denominada “Lei dos Crimes Ambientais”.
Destarte, para fins de esclarecimento, cumpra-se ressaltar que o Direito Penal pode ser encarado como a “ultima ratio”, ou seja, deve sempre ser a última fronteira no controle social, visto que seus métodos são aqueles que mais ofendem a liberdade individual.
Esse é o posicionamento da doutrina:
“O Estado, portanto, sempre que dispuser de meios menos lesivos para assegurar o convívio e a paz social, deve deles se utilizar, evitando o emprego da pena criminal. […] O Direito Penal deve ser a última ratio e jamais a prima ratio. Os vários ramos jurídicos dão respostas satisfatórias a diversos conflitos cotidianos, sem a necessidade de intervenção do Direito Penal. Assim, quando o inquilino não paga pontualmente o aluguel, fica sujeito a uma multa contratual e, persistindo o inadimplemento, cabe ao locador, se o desejar, despejá-lo. Se alguém dirige seu automóvel e, ao mesmo tempo, fala ao telefone celular, a imposição de uma multa de trânsito constitui punição suficiente e proporcional ao ato. Caso a esposa ou o marido descumpra seu dever conjugal de fidelidade, o divorcio afigura-se como solução adequada. Em nenhuma dessas situações justifica-se a utilização da pena criminal.” (ESTEFAM, André – Direito penal esquematizado: parte geral – 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016).
É de suma importância destacar que, quando levantamos a aplicação do Direito Penal em esfera de aplicação ao meio ambiente, devemos levar em consideração que há diversas normas penais em branco, ou seja, aquelas cujas quais o preceito primário é incompleto, embora o preceito secundário seja determinado. Ou seja, a lei penal em branco deve ser completada por outra, já existente ou futura, da mesma hierarquia ou de hierarquia inferior.
O conceituado autor Luiz Regis Prado ensina que “Em princípio, o Direito Penal deve definir de modo autônomo os pressupostos de suas normas, evitando a remissão a outras regras do ordenamento jurídico”1. Assim, ainda esclarece que, existem certas matérias, dentre elas a relativa ao meio ambiente que, por fatores histórico-culturais utiliza-se o legislador da técnica denominada de lei penal em branco, que vem a ser:
“(…) incompleta ou lacunosa, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou complementação. Isso vale dizer: a hipótese legal ou prótase é formulada de maneira genérica ou indeterminada, devendo ser colmatada/determinada por ato normativo (legislativo ou administrativo), em regra, de cunho extrapenal, que fica pertencendo, para todos os efeitos, à lei penal. Utiliza-se assim do chamado procedimento de remissão ou de reenvio a outra espécie normativa, sempre em obediência à estrita necessidade”.
Luís Paulo Sirvinskas leciona ainda que, na lei penal relativa ao meio ambiente, há diversas normas penas em branco, haja vista que quase todos os conceitos se encontram definidos em leis, decretos-leis, decretos, regulamentos e resoluções do CONAMA ou do IBAMA, que são fontes de consulta e de complementação2.
Portanto, considerando o exponencial crescimento econômico dos últimos anos, a proteção do meio ambiente tornou-se uma das prioridades das políticas públicas, e o Direito Penal, enquanto instrumento normativo e sancionador, tem ganhado destaque como um mecanismo fundamental para prevenir e punir práticas que prejudicam o meio ambiente, como um todo.
Sabe-se que, não se pode utilizar apenas o Direito Ambiental como forma de proteção ao meio ambiente, haja vista que, este pauta-se apenas em regulamentações administrativas que, em diversas vezes, revela-se insuficiente para evitar práticas nocivas e imprudentes contra o meio ambiente.
E, é exatamente nesse contexto que o Direito Penal vem ganhando importância como sendo uma ferramenta necessária, considerando sua esfera de imposição de sanções mais severas e, com isso, reforçando o cumprimento das normas ambientais.
Assim, o Direito Penal Ambiental surge, então, como um campo que combina princípios da proteção ambiental com a aplicação de sanções criminais, como meio mais efetivo de coibir condutas lesivas ao meio ambiente.
Para fins de complementação, destaca-se que, há pouco tempo, o Direito penal preocupava-se apenas na tutela de bens jurídicos individuais, como a vida, liberdade e o patrimônio, por exemplo, contudo hoje existe a preocupação inequívoca na proteção aos bens ordem coletiva, sob pena de uma tutela precária e muitas vezes equivocada.
Apesar de alguns doutrinadores clássicos, como Eugenio Raúl Zaffaroni, defenderem que o Direito Penal, não seria o meio/instrumento correto para a defesa dos direitos coletivos, como o meio ambiente, defendendo que o ramo mais adequado seria o Direito Administrativo ou outros direitos que poderiam ser mais indulgentes que o Direito Penal e menos que o Direito Administrativo, em uma espécie de direito administrativo sancionador.
Portanto, destaca-se que, os desastres ambientais de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) levantaram sérias questões sobre a eficácia do Direito Penal na proteção ambiental no Brasil. Embora a legislação brasileira inclua dispositivos que permitem a responsabilização penal de pessoas físicas e jurídicas por crimes ambientais, a aplicação prática dessa tutela tem sido amplamente criticada.
Ressalta-se ainda que, nos casos supracitados, a responsabilização penal avançou de forma lenta, destacando limitações na aplicação do Direito Penal em desastres ambientais. Apesar de as empresas responsáveis, como Samarco, Vale e suas controladoras, e alguns de seus gestores terem sido denunciados, os processos penais enfrentaram uma série de dificuldades. A lentidão do sistema judicial retarda a punição efetiva, enquanto a comprovação de dolo ou culpa, especialmente em situações de alta complexidade técnica, apresenta barreiras significativas.
O Direito Penal Ambiental no Brasil revela fragilidades que comprometem sua eficácia. As penas previstas para crimes ambientais são frequentemente brandas, com sanções que não refletem a gravidade dos danos causados, especialmente em desastres de grande magnitude.
Por sua vez, a responsabilização penal de pessoas jurídicas, tende a ser mais simbólica, traduzindo-se em multas ou medidas mitigadoras que não exercem um papel efetivamente dissuasório. Tal possibilidade de responsabilização está expressa na própria Constituição da República em seu artigo 225.
Há ainda desafios estruturais que dificultam a eficácia da tutela penal ambiental. O desinteresse político e econômico, muitas vezes impulsionado pela influência econômica das empresas envolvidas, interfere na condução célere e rigorosa dos processos.
Destarte, há o questionamento latente de que, se o Direito Penal, teoricamente, só surge quando o dano efetivamente já aconteceu, então será que podemos realmente dizer que este ramo, efetivamente, tutela o meio ambiente? Para tanto, deve se
entender que, para que o direito penal tutele o meio ambiente, precisamos identificar os riscos, os perigos e punir de forma antecipada, para que aquilo não venha efetivamente a concretizar.
Contudo, cabe dispor que a punição antecipada é um grande risco, porque permite ao legislador uma enorme esfera de atuação, que colocaria em risco a segurança jurídica, haja vista que iriamos tutelar bens jurídicos que, sequer, foram colocados em risco. Isso colocaria o Direito Penal em risco, já que ele se tornaria simbólico e sem qualquer efetividade.
Repisa-se ainda sobre o tema da possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica pelo cometimento de crimes ambientais, no qual é sim possível no Brasil e está prevista na Constituição Federal, no artigo 225, § 3º, e na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998).
O reconhecimento da possibilidade de punir empresas em casos de danos ao meio ambiente é um marco jurídico que reflete a necessidade de responsabilizar agentes coletivos por condutas lesivas. O assunto é tão importante que fora amplamente debatido no Supremo Tribunal Federal, especialmente no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.540. Nesse caso, a ministra Rosa Weber, em seu voto, destacou que a responsabilização penal da pessoa jurídica não exclui a possibilidade de responsabilização simultânea de pessoas físicas, como dirigentes ou administradores. Ela argumentou que a proteção ambiental demanda instrumentos eficazes, dada a gravidade dos danos que podem ser causados por organizações que agem de forma negligente ou dolosa.
O voto da ministra Rosa Weber também reforçou que a responsabilização da pessoa jurídica é autônoma, não estando condicionada à condenação das pessoas físicas. Assim, empresas podem ser penalizadas diretamente, inclusive em situações em que não se consiga identificar com precisão os indivíduos responsáveis, desde que se comprove que a conduta lesiva está vinculada à atividade da pessoa jurídica.
Portanto, a possibilidade de punir empresas por crimes ambientais fortalece a tutela penal ambiental e serve como instrumento de dissuasão e prevenção de danos ao meio ambiente.
Portanto, além da Constituição, existem diversas leis, como a Lei de Crimes Ambientais, o Código Florestal3 e a Política Nacional de Meio Ambiente4, formam um arcabouço jurídico que orienta as ações de proteção ambiental. Esses instrumentos legais visam não apenas a preservação, mas também a recuperação de áreas degradadas, promovendo um compromisso com a sustentabilidade.
Em âmbito da mineração, é inequívoco que há, frequentemente, a violação de diversas dessas normas, resultando em danos gravíssimos ao meio ambiente, como o desmatamento, contaminação dos recursos hídricos e degradação de ecossistemas inteiros. Haja vista que, a mineração, enquanto atividade altamente impactante ao meio ambiente, sendo os danos, quase que inerentes à sua atuação.
Nessa quadra, a efetividade da tutela ambiental no Brasil, enfrenta, diariamente, obstáculos que comprometem a proteção ao meio ambiente e, uma das principais dificuldades é a ausência de fiscalização, ocasionada pela escassez de recursos necessários e pela infraestrutura inadequada.
Por Tainah Oliveira Miri