Como já é de amplo conhecimento, a proteção do meio ambiente, bem jurídico essencial à vida, demanda mecanismos de responsabilização eficazes para coibir condutas lesivas, bem como garantir a reparação dos danos causados.
Nesse contexto, a Constituição Federal brasileira instituiu a tríplice responsabilidade ambiental, um mecanismo que submete os agentes causadores de danos ambientais à responsabilização em três esferas distintas e autônomas: civil, penal e administrativa.
Sob essa perspectiva, esclarece a Constituição da República, sem seu art. 225: trago seus exatos termos:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[…]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Destaca-se ainda que, a responsabilidade civil ambiental é um mecanismo jurídico que obriga aquele que causa danos ao meio ambiente a repará-los. É um instrumento fundamental para a proteção ambiental, pois incentiva a adoção de práticas mais sustentáveis e responsabiliza aqueles que não cumprem suas obrigações legais.
Na busca pela reparação civil de danos ambientais, esta pode ser classificada em dois tipos principais: recuperação e restauração, ambas previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº 9.985/2000.
Art. 2o Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
XIII – recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original;
XIV – restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original;
Entretanto, caso esses dois institutos mencionados não consigam buscar a finalidade de reparação ambiental entramos da seara da compensação ambiental, que é um mecanismo utilizado para mitigar os impactos ambientais causados por empreendimentos que, mesmo após todas as medidas de mitigação e controle, ainda geram danos ao meio ambiente.
Trata-se então, de uma forma de compensar a sociedade pelos prejuízos causados à natureza.
Portanto, são exemplos de compensação ambiental: a criação de parques; reservas ou outras áreas protegidas para preservar a biodiversidade; restauração de áreas de mata nativa; recuperação de nascentes e controle da erosão e, desenvolvimento de programas de educação ambiental para a comunidade.
Nesse contexto de reparação civil de danos ambientais, destaca-se o art. 4º, inciso VII, da Lei nº 6.938/1981, que estabelece diretrizes para a proteção e recuperação ambiental.
Art 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
Isto posto, nota-se que a responsabilidade civil ambiental tem como primeira característica ser objetiva, ou seja, tem-se um mecanismo jurídico que impõe a quem causa um dano ambiental a obrigação de repará-lo, independentemente de ter agido com culpa ou dolo. Ou seja, basta que se prove o dano ambiental e o nexo causal com a atividade do agente poluidor para que este seja responsabilizado.
Nesse contexto, há de se ressaltar a Teoria do Risco Integral, que é um dos pilares da responsabilidade civil ambiental objetiva. Por meio dessa teoria, estabelece-se que, quem desenvolve uma atividade que, por sua natureza, envolve riscos ao meio ambiente, responde pelos danos causados, independentemente de ter atuado com culpa ou dolo. Dessa forma, basta que exista o nexo causal entre a atividade e o dano, para que exista a obrigação de reparar.
Analisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acerca da responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental, observa-se que esta evoluiu de
forma à consolidar o entendimento da teoria do risco integral, a qual não admite a invocação de nenhum excludente do nexo causal, nem mesmo do caso fortuito e da força maior, para o fim de desobrigar-se da responsabilidade civil do degradador do meio ambiente.
A responsabilidade civil ambiental objetiva, também encontra amparo no artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o dever de todos em defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A legislação infraconstitucional, por sua vez, detalha os mecanismos de proteção ambiental e as responsabilidades dos agentes.
Uma das características mais importantes do dano ambiental é a sua imprescritibilidade, que tem como fundamento o interesse público na conservação de um meio ambiente equilibrado e sadio. Além disso, o direito à reparação de danos ambientais é fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de estar expresso em texto legal.
Nessa quadra, o Supremo Tribunal Federal consolidou a tese da imprescritibilidade da ação de reparação de danos ambientais, reconhecendo a necessidade de proteger o meio ambiente como um bem jurídico fundamental. Essa decisão reforça a importância do princípio da imprescritibilidade e garante maior segurança jurídica para as ações de reparação ambiental.
“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO.
IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6.
Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.” (RE 654833, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020)
Outra característica é a solidariedade ambiental que estabelece que todos os que contribuíram para o dano, de forma direta ou indireta, são solidariamente responsáveis. Isso significa que a vítima ou quem a lei autorizar pode escolher um dos poluidores para processar, sem a necessidade de processar todos.
Noutra quadra, outra característica importante, é a teoria menor da responsabilidade ambiental que, trata-se de uma evolução do conceito de responsabilidade civil ambiental, buscando ampliar a proteção do meio ambiente e facilitar a reparação de danos. Essa teoria, inspirada na teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, aplicada principalmente no direito do consumidor, visa responsabilizar os sócios ou administradores de uma pessoa jurídica por danos ambientais causados, mesmo que não haja prova de culpa ou dolo por parte deles.
Portanto, a teoria menor da responsabilidade ambiental é um instrumento importante para a proteção do meio ambiente, pois amplia a responsabilização por danos ambientais e garante a efetividade da reparação. No entanto, é fundamental que sua aplicação seja feita com cautela, a fim de evitar que prejudique a atividade empresarial e a criação de novos empregos.
No tocante ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015, pode-se dizer que foi considerado um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil. O incidente resultou na liberação de milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, que contaminou rios, destruiu diversas espécies de fauna e flora, e devastou comunidades inteiras.
Diante da tragédia, órgãos oficiais de Minas Gerais e Espírito Santo se uniram para adotar medidas emergenciais que pudessem mitigar os danos ambientais antes que os rejeitos alcançassem o oceano Atlântico. Entretanto, houve decisões contraditórias proferidas por Magistrados dos diversos municípios afetados, o que gerou dificuldades na coordenação das ações de resposta.
No âmbito técnico ambiental, forças públicas como o ICMBio e o IBAMA atuaram de forma conjunta e rápida, resgatando fauna e instalando barreiras para conter os rejeitos, o que ajudou a mitigar consideravelmente os danos ambientais.
No campo jurídico, uma Ação Civil Pública foi movida de forma conjunta pelos órgãos da Advocacia-Geral da União, com pedidos estruturantes de reparação ambiental contra as empresas Samarco, Vale, e BHP.
A supracitada ação invocou o instituto da teoria menor para responsabilizar diretamente os causadores do dano ambiental. Além disso, buscou-se incluir no polo passivo, com base no instituto da responsabilidade solidária, todas as empresas envolvidas na cadeia produtiva e na operação econômica relacionada às estruturas das barragens.
A unificação da atuação do poder público na proposição de uma única ação judicial trouxe clareza ao processo, facilitando um possível diálogo entre as partes. Esse esforço culminou no primeiro acordo firmado em março de 2016, após intensas negociações entre os envolvidos.
O Termo de Transação e Ajustamento de Conduta foi então estabelecido entre a Samarco, suas acionistas, os governos federal e estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e outras entidades, com o objetivo de reparar os danos causados pelo rompimento da barragem.
Ainda sobre o aludido TTAC, destaca-se que este estabeleceu a criação da Fundação Renova, uma entidade autônoma e sem fins lucrativos, responsável pela implementação e gestão dos programas de reparação, mitigação e compensação dos danos.
A Fundação Renova atua de forma transparente, com envolvimento das comunidades afetadas e, seus programas são monitorados constantemente e submetidos a auditorias externas independentes. Ressalta-se que, tem como objetivo principal a aceleração das reparações sociais e ambientais, reduzindo os entraves jurídicos e evitando que longos processos judiciais atrasassem as soluções imediatas.
Contudo, após questionamentos do Ministério Público e de outros órgãos oficiais sobre a validade do TTAC, foi celebrado um segundo acordo, conhecido como TAC Governança, homologado em agosto de 2018. Este, por sua vez, trouxe mudanças importantes, visto que visou ampliar a participação das pessoas atingidas no processo de reparação e a garantir maior transparência e eficiência na gestão dos recursos destinados à recuperação da região.
Nessa quadra, destaca-se que, as principais mudanças incluídas foram a ampliação da participação das comunidades atingidas nas decisões sobre os programas de reparação, assegurando que suas necessidades fossem consideradas; a criação de mecanismos de controle social mais robustos, como um fórum de observadores, para garantir transparência na gestão dos recursos e cumprimento das obrigações das empresas responsáveis; e, a melhoria da governança do processo de reparação, com a criação de novos órgãos de controle e a definição mais clara das responsabilidades de cada ator envolvido.
Entretanto, divergências surgiram entre as deliberações do Comitê Interfederativo e da Fundação Renova, uma vez que havia conselheiros das empresas compondo a fundação, o que gerou judicialização de diversos temas, resultando em ações judiciais em curso. Essas divergências revelaram a ineficiência do poder reparatório da fundação.
Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça assumiu um papel de destaque, buscando reduzir os litígios e a alcançar uma repactuação que priorizasse a reparação integral das pessoas atingidas.
Noutro giro, o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019, causou impactos devastadores para o país como um todo. A tragédia resultou na morte de centenas de pessoas, além de significativos danos ambientais e socioeconômicos.
No campo jurídico, foi ajuizada uma Ação Civil Pública no mesmo dia do rompimento, tendo uma liminar deferida ainda no período noturno. Essa decisão exigia o ressarcimento das despesas dos órgãos públicos e determinava o bloqueio de bilhões de reais da mineradora “Vale” para garantir a reparação dos danos.
Para tanto, com o intuito de coordenar as ações emergenciais, comitês de crise foram criados, resultando em um acordo para a unificação das ações, culminando na propositura de uma ação na Vara de Fazenda Pública da Comarca de Belo Horizonte.
Após o rompimento, a mineradora Vale foi alvo de diversas sanções, incluindo uma multa expressiva de R$ 99 milhões aplicada pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). Essa penalidade, imposta em 2019, foi fundamentada pelos graves danos ambientais causados, com a lama tóxica contaminando rios, solos e mananciais, gerando um desastre de grandes proporções que afetou diretamente a vida de milhares de pessoas.
Em 04 de fevereiro de 2021, um marco importante no processo de reparação foi alcançado com a assinatura de um Acordo Judicial de Reparação pela Vale, principal responsável pela tragédia. O acordo estabeleceu um conjunto de medidas para reparar os danos coletivos e difusos, com um valor total de R$ 37,68 bilhões, configurando-se como um dos maiores acordos judiciais da história do Brasil.
A celebração de acordos envolvendo o direito ambiental é uma questão complexa que exige uma análise criteriosa de cada caso concreto. É fundamental que tais acordos respeitem os princípios da indisponibilidade do direito ambiental e da primazia do interesse público.
Nessa perspectiva, o art. 3º do Código de Processo Civil dispõe que:
Art. 3º: Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 2º: O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
Além disso, o art. 3º da Lei nº 13.140/2015 regulamenta a possibilidade de mediação em conflitos envolvendo direitos indisponíveis que admitem transação, estabelecendo que:
Art. 3º: Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.
§ 2º: O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.
Esses dispositivos reforçam a importância de buscar soluções consensuais para garantir a efetividade das reparações e a proteção dos direitos das comunidades afetadas, desde que haja transparência e respeito aos princípios legais e constitucionais.
Não menos importante, a Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, estabelece a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), que visa reduzir riscos de desastres e preparar ações de resposta e reconstrução. Em relação a desastres de barragens, a lei reforça a importância de medidas preventivas, monitoramento constante e ações rápidas para minimizar impactos.
A defesa pública tem um papel essencial, pois a lei prevê a responsabilidade do poder público em elaborar planos de contingência, capacitar equipes e informar a população sobre riscos e procedimentos em caso de emergências. Além disso, exige a colaboração entre municípios, estados e União, assegurando uma resposta coordenada e eficiente para proteger vidas e reduzir danos materiais e ambientais.
Em resumo, a lei destaca que a defesa pública deve atuar preventivamente, monitorando e planejando ações integradas para garantir a segurança das comunidades próximas a barragens e responder prontamente em situações de desastre.
Outra lei importante originada com os rompimentos de barragem foi a Lei 23.795/2021 instituída pelo Estado de Minas Gerais que trata das diretrizes para a Política Estadual de Segurança de Barragens e estabelece normas específicas para a prevenção, fiscalização e gestão de riscos relacionados a barragens no Estado. A lei surge em resposta a desastres recentes, buscando aprimorar a regulamentação e a segurança dessas estruturas, em especial aquelas destinadas ao armazenamento de rejeitos de mineração, água e resíduos industriais.
O principal objetivo da lei é prevenir acidentes e proteger a população e o meio ambiente, por meio da implementação de mecanismos mais rigorosos de fiscalização e monitoramento das barragens. Entre suas principais disposições, a lei estabelece a obrigatoriedade de elaboração de Planos de Ação de Emergência (PAE), que devem ser aprovados por órgãos competentes e amplamente divulgados às comunidades afetadas. Além disso, a norma impõe responsabilidades claras aos empreendedores,
exigindo a adoção de medidas preventivas e de controle de segurança, com especial atenção ao uso de tecnologias de monitoramento contínuo.
A lei também define a necessidade de uma gestão integrada entre órgãos estaduais e municipais, promovendo a transparência e o acesso à informação sobre a segurança das barragens, garantindo que a população e os agentes públicos tenham conhecimento dos riscos e das ações a serem tomadas em caso de emergência.
Em resumo, pode-se dizer que a Lei nº 23.795/21 representa um marco regulatório importante para o fortalecimento da segurança das barragens em Minas Gerais, integrando aspectos de prevenção, resposta rápida e responsabilização dos agentes envolvidos.